09 abril 2007

Estradas da Desolação

Mais uma Crónica de Gil Gonçalves, a partir de Luanda, nas CRÓNICAS DO REINO DE ABDERA, ALGURES NO GOLFO DA GUINÉ

ESTRADAS DA DESOLAÇÃO

A Pax Romana chegava e a estrada alongava. Os conquistados, parados observavam e comentavam: «vamos ver o que estes nos trazem». Depois: Ah… trazem-nos desenvolvimento.
Agora, na moda do falatório do desenvolvimento sustentado das conferências não auto-sustentadas, temos estradas com buracos, buracões, crateras, cavernas, abismos. Acreditamos que são perfurações petrolíferas e escavações diamantíferas. Que ultraje! Já ultrapassam os incontáveis doutores e poetas doutra tempestade que surge, outra grande epidemia, estamos certos.
Vias, antes primárias, secundárias, agora na era terciária, quaternária, por culpa da chuva que nos deixa atrasar. É bom sempre ter desculpas para continuar com tão mal governar.
Há tantos anos que as chuvas foram previstas, revistas, anunciadas, proclamadas, trovejadas, ciclonadas. É mais fácil para quem finge democraticamente governar, esperar a destruição e culpar a chuvada, e depois remeter a responsabilidade para o auxílio internacional. Se não vier apoio, é porque os Britânicos e Americanos estão apostados no derrube do sempre mesmo governo vitalício, e democraticamente reeleito.
Alguns escravos de intelecto apurado, bombardeiros habituais, criticam a sua exterioridade pedante. Os outros ouvem-nos e prosseguem-nos. Falar… falar é preciso. Das palavras até surgir a acção outro milénio de palavreado é esperado. E os escravos rejubilam-se porque falaram, repetiram-se muito com… não é! Não é!?
Todos a pé com os arcos, as flechas e as tangas da ancestralidade, ressorrindo na imposição do retorno comunista. E os arautos da descolonização libertadora copiam manuais médicos, e estrelam dos seus palácios que andar a pé, é bom, eficaz para a saúde. E chega-se ao local do trabalho cansado, ensonado, com grande apetência para sonecar. É a dádiva do remetente comunismo. E as multidões passeantes cantam como se enchessem escunas na busca do tesouro perdido: «Ió-hó-hó, e uma garrafa de aguardente!»
Enquanto sem jindungo, muitos frutos da nação desbaratam os contentores do lixo nos prédios moribundos, mas independentes, o Vladimiro, maluco itinerante ergue o seu punho. Apenas conserva na memória os gritos intencionais do ensino três vezes ultrajante:
- Pelo poder popular! Pelo poder popular! Pelo poder popular!
Este ensino que o elevou à loucura.
Passeiam-se, os novos-ricos insensíveis, que vivem no Novo Mundo Hummer, desafiam, incumprem as leis, porque ainda não justificaram a origem das suas riquezas
Ao longe escuta-se o ruído da chuva estridente da padiola do desenvolvimento insustentável, dos subdesenvolvidos contaminados pela cólera.
Com fornecimentos de energia eléctrica e água medidos em onças, um aviltado sonda as vagas da repressão do novo navio negreiro a estibordo e a bombordo. Temeroso, brumoso, inseguro, mas mesmo assim grita:
A FOME… CONTINUA! A MISÉRIA… É CERTA!
Tantos alienados, por causa das estradas desoladas.

Gil Gonçalves
(gilgonalves_1@yahoo.com.br)

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