03 fevereiro 2005

Crónica da morte de uma Árvore

Crónicas de Luanda, por José Tramagal

Tinha cerca de trinta anos, quando faleceu. Era ainda muito jovem e tinha um promissor caminho pela frente. Cheia de saúde e assim morrer tão prematuramente, os frutos saborosos com que nos deliciava e a sua sombra de frescura terminaram no reino inglório do lixo.

Era uma mangueira muito orgulhosa de viver sempre em pé. Fazia parte das nossas vidas. Vivia nas trazeiras de tres prédios, onde existia um grande largo que a juventude utilizava para disputar campeonatos de futebol. Junto a ela vivia um homem de idade avançada, numa modesta habitação, e por motivos de saúde e também pela idade, contactou com um general para a venda da habitação. Feito o negócio, de seguida surgem alguns militares, um arquitecto, e um engenheiro que começam a rodear a mangueira. De início com curiosidade, olham-na de cima a baixo. Depois olham-na como inimiga, os soldados trepam-na, e a rir como a festejar uma grande vitória contra um inimigo poderoso, tratam de esquartejar primeiro os seus ramos mais pesados, mais volumosos. A árvore começa lentamente a sentir o seu fim a aproximar-se, e por entre suspiros e lamentos e gritos silenciosos, como só as árvores sabem fazer, sons que os seres humanos não ouvem, não querem ouvir.

E a árvore continua a resistir ao assédio. Com muito heroísmo resiste a cada golpe que sem piedade, lhe assestam os seus inimigos poderosos. Já estava quase careca, desnuda. Creio que se sentia muito envergonhada, da sua nudez. Restava apenas o tronco que teimosamente insistia em estar ligado á terra mãe. Áquela que a viu nascer. E por isso a terra sentiu-se ferida. E num ronco descomunal, surgiu uma fera de metal, que lançava fumo por todos os lados, como um dragão invencivel, e com uma pá de ferro, mergulhou nas entranhas da terra e retirou as raizes, o esqueleto, tudo o que restava da pobre árvore, ficando no seu lugar uma cratera, como se de um campo de batalha se tratasse.

Depois, entre o tilintar de copos de bebida, o general, os seus soldados o arquitecto, e o engenheiro, beberam á saúde de menos um inimigo no campo de batalha. A seguir vieram as máquinas e nivelaram a terra, para apagar os vestigios desta descomunal batalha. Depois outra máquina chegou e despejou cimento e areia. Os tijolos e demais materiais já aguardavam para completar mais uma obra de construção civil. Passados poucos dias já ninguém se lembrava que aqui tinha existido uma árvore, uma mangueira. No seu lugar iria ficar mais uma árvore de cimento e areia.

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