24 julho 2007

O poder da religião

O Islamismo, com particular com relevo para o integrismo islâmico, está no actual estágio político-social conotado com o desenvolvimento do fundamentalismo religioso quer no mundo árabe, naturalmente, quer, actualmente e com um desenvolvimento espectacular, em África.
Um dos maiores erros que certos analistas martelam é conotar a expansão do islamismo ao fundamentalismo. Na realidade foram os cristãos os primeiros a desenvolverem o fundamentalismo religioso com predominância na vida social e política.
Não esqueçamos que os católicos, ao expandir o catolicismo na ponta da espada sagrada pela cruz, durante as “Descobertas” e, porque não afirmá-lo, também, na Inquisição – todavia, o cientista político Sousa Lara só inicia o estudo do fundamentalismo católico com o chamado “integrismo católico” do Bispo francês Marcel Lefèbvre (1905-1991) e da sua obra “Acuso o Concílio”
[1]. Mais tarde, foram os reformadores cristãos, os chamados protestantes de tradição anglo-saxónica, quando compilaram diversos artigos, de características teo-doutrinárias, numa colectânea que recebeu a designação genérica de “Fundamental”. Os seguidores e defensores destas confissões doutrinárias, que defendiam o literalismo bíblico e procuravam afastar ideias novas ou inovadoras, passaram a ser designados por “Fundamentalists”[2]. Os primeiros fundamentalistas.
Por isso é um erro afirmar que o actual estágio de desenvolvimento do Islamismo se deve à força do fundamentalismo integrista de xiitas e, ou sunitas com base nos iranianos – cujo grande problema é não serem aceites pelos árabes visto não o serem, mas sim persas – ou no terror da al-Qaeda.
Esse tem sido o erro de análise do Ocidente e de muitos modernos analistas.
Um tal cardeal Joseph Ratzinger
[3] afirmava em 1994 que aquilo a que chamamos de “fundamentalismo islâmico” não deve ser, pois, interpretado, na óptica da ciência das religiões, como “regresso à Idade Média”, mas como tentativa de ir ao encontro dos problemas do presente conservando o princípio de validade do Islão”[4]
Tudo isto porque em África se verifica que em alguns países os dirigentes se esquecem do que diz a sua Constituição e permitem que sob o dogmatismo religioso certos actos sejam praticados.
Justificam-se com valores sociais que muitas vezes só existem nas mentes dos seus dirigentes. Desculpam-se com o facto de pertencerem a uma organização multi-religiosa que congrega os países islâmicos ou islamizados cujas Constituições determinam a supremacia da religião sobre os actos políticos e sociais o que não é o caso da maioria dos países africanos.
Por isso não se entende que umas eleições possam ser adiadas só porque alguns imãs alertam que na altura em que essa eleição possa acontecer decorrerá uma das mais importantes festas muçulmanas e os crentes estarão na sua maioria ou em Meca, em peregrinação, ou a preparar as festividades pelo que não poderão participar na votação.
Ora num país moderno, democrático e desenvolvido, cuja Constituição afirma claramente que a política e a religião devem estar cada um no seu lugar, não se entende que questões religiosas, sejam islâmicas, cristãs, judaicas ou hinduístas (no geral) determinem a vida política de um Estado.
Tem de ser a participação cívica que deve motivar a vida política e social do Estado. À igreja, seja ela qual for, cabe-lhe gerir questões filosóficas e não se meter no “modus vivendi” das actividades do Estado!
Porque se há festividades islâmicas importantes, há-as, também, no cristianismo ou no hinduísmo…

Notas de rodapé:
[1] LARA, António de Sousa, Da História das Ideias Políticas à Teoria das Ideologias, vol. II, citado por ALMEIDA, Eugénio Costa, “Fundamentalismo Islâmicos: A Ideologia e o Estado”, edição da Autonomia27 (www.autonomia27.com), 2004.
[2] Idem, ibidem.
[3] O actual Papa Bento XVI
[4] RATZINGER, cardeal Joseph, A Igreja e a Nova Europa, Editorial Verbo, Lisboa, 1994, pág. 114, citado por ALMEIDA, Eugénio Costa, idem.


Publicado n' nº. 023, de 25 de Julho de 2007, sob o título "Política não se faz com regras religiosas". Este artigo está relacionado com o facto do presidente moçambicano pensar em alterar as eleições para as assembleias provinciais por causa de uma importante festividade religiosa na data prevista das eleições.

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