01 dezembro 2004

Os Prédios do Inferno


"Lixo em prédios. É com muita consternação que eu escrevo esta carta, porque é vergonhoso e doloroso assistir-se ao que vou aqui retratar. De há um tempo para cá, alguns moradores têm estado a depositar o lixo na entrada dos prédios onde eles próprios habitam, para sua vergonha. Isto acontece principalmente na rua Comandante Valódia, nos prédios que estão junto ao do Ministério da Comunicação Social. Sexta-feira, 19/11/04, os funcionários dos serviços de limpeza não se fizeram presentes. Na sequência disso, as entradas dos prédios ficaram a cheirar muito mal. Por outro lado, por algumas lixeiras se localizarem mesmo debaixo dos prédios, certos moradores já nem se dão ao trabalho de descer para deitar o lixo. Fazem-se de jogadores de basquetebol e atiram o lixo a partir do andar em que estão para a lixeira. Azar de quem estiver a passar por perto ... reitero aqui o apelo de que o lixo é para ser deitado no contentor. Por favor, se a moda pega, as entradas dos prédios vão se transformar em autênticas lixeiras." In Jornal de Angola 25nov04

O termo correcto será o prédio ou os prédios do inferno.Trinta anos depois da independência, e com o início do poder popular naqueles tempos, deu-se a ocupação anárquica daquilo que o colono deixou, porque é nosso, é do povo. Pessoas que nunca habitaram um prédio, uma moradia, uma vivenda e convencidas, que isso as retiraria da miséria, como se tudo o resto posteriormente caísse do céu. Em muitos casos, como não tinham madeira para cozinhar, vá de arrancar portas e janelas e iniciar a fogueira para cozinhar. Ou trazer os porcos, galinhas e fazer das varandas capoeiras ou currais. As habitações começam a ficar com um aspecto desolador.

Os elevadores deixam de funcionar, as portas são arrancadas para alimentar as fogueiras, os fios, interruptores, lâmpadas, fusíveis são canibalizados. Tornam-se funcionais para deitar lixo. A casa da máquina no último andar serve para residência. As caixas do correio á entrada, são arrancadas para aproveitar qualquer coisa, os terraços utilizados para habitações, enquanto no andar de baixo começam a surgir raxas nos tectos, devido ao peso extra.

O lixo é deitado nas escadas, urina-se, defeca-se, restos de peixe, e de carne permanecem, até surgir um cheiro nauseabundo, e quem quizer que limpe, se ninguém limpar, fica assim. Impávidos e serenos os moradores, entram e saiem com a maior naturalidade. Dos terraços são atirados dejectos, embrulhados em papel. Ou de noite também é costume urinar ... cá para baixo. Perante a invasão dos ratos, que ocasionam estragos económicos de monta, e perigos de grandes epidemias. Quem não se lembra da peste negra? Viver com os ratos por companhia tornou-se já um hábito. As águas da cozinha e de limpeza, são atiradas pelas varandas, para o solo.Varre-se a habitação, junta-se o lixo na varanda, e zás, cá para baixo.

O barulho das festas, ou sem elas, é ensurdecedor. As crianças especialmente são as mais afectadas, ou ficam malucas ou surdas. Não é por acaso, que grande parte da população é surda. Descansar, dormir, estudar, trabalhar. Isso não existe.

As infiltrações de água são consideradas uma situação normal. Os tectos a cair, paredes a desfazerem-se. Na casa de banho do vizinho de baixo, é normal o chuveiro do vizinho de cima. Como a água é carregada do r/c, fica depois um pequeno rio, a torneira é aberta com pedras, que depois deixa de funcionar, e o caudal do rio aumenta, as escadas ficam inundadas, e limpe quem quizer. As fossas várias vezes ficam entupidas, e no caudal pantanoso colocam-se umas pedras para passar. Nas inflitrações de água, até se chega ao incrível do vizinho de cima dizer, que daqui não é. Protecções dos terraços são partidas, e a chuva cai directamente nas escadas do prédio.

A manutenção e obras de reparação, apesar de muitos serem os proprietários das suas habitações, não são efectudas, porque o governo não nos ajuda, dizem eles.Quando alguém adquire um apartamento, parte tudo lá dentro, com meios utilizados que o edíficio treme por todo o lado, e parecendo que vai desabar. Uma moda que pegou, é toda a gente partir paredes, alterar o interior. A estrutura do edíficio é abalada, diminui a vida, e pode desabar a qualquer momento, mas como toda a gente é arquitecta, não adianta falar.

Um prédio tem luz, ou deveria ter. O que se passa, é que quando estragam uma fase, ninguém espera. Até crianças com um qualquer alicate mexem, depois falta a outra, e novamente a corrida a mexer nos condutores. Quando a luz é desligada no contador por falta de pagamento, e isto é frequente, porque muitos não pagam as contas da luz, vai de mexer nos fios, mas aqui tem sido um desastre. Na entrada do prédio, os condutores e os fusíveis são destruidos, porque os engenheiros também vão mecher na caixa de entrada. O que acontece, são incêndios frequentes e explosões, tanto dentro do prédio, como no passeio onde passam os condutores principais de alimentação. E isto é diário. Não existe lei, só a lei do far west. Prejuízos incríveis. Já imaginaram quanto é que o país perdeu até agora em falhas de energia eléctrica? Muita gente tem geradores, mas o perigo é constante, e já várias pessoas faleceram devido a isso, além do barulho insuportável dos escapes livres. Mas como agora o combustível está a preço de ouro, torna-se um peso incomodo no orçamento

Um prédio também serve naturalmente para os amorosos e amorosas provarem que se amam, é habitual, e pode-se dizer que até existem concursos sexuais nas escadas. Os vizinhos para passarem, tem que saltar literalmente por cima de pernas, braços, cabeças. As camisinhas são atiradas para a entrada do prédio. Sobre a sida, alguns jovens já afirmaram, que isso não existe em Angola.

A maior peste que aconteceu até hoje, a peste negra, foi na idade média, devido a não existir nenhuma higiene. O lixo, dejectos, águas sujas, etc, eram atirados para as ruas. Os ratos conviviam harmoniosamente com as pessoas. Foram milhões de mortos.
"Enviado por Gil Gonçalves via e-mail, de Angola"
Nota:
Ou como o lixo se acumula às portas dos prédios e como a Comissão Coordenadora de Luanda parece estar a léguas de conseguir alguma coisa para o debelar. O lixo é um dos maiores focos de doenças e certas pandemias infelizmente muito comuns em África, como se sabe. Há que dizê-los aos nossos governantes.

1 comentário:

Anónimo disse...

Mesmo assim ainda é muito melhor do que estavam quando os "colonos" ai chegaram há 500 anos, nessa altura vocês apanhavam minhocas do chão e das cascas das arvores para comer e faziam uma festa quando alguem vos oferecia um espelho! ;)